Alex
- Alice Castro
- 18 de mar. de 2022
- 6 min de leitura

Oi, pessoal! Como alguns de vocês já sabem, na terça-feira eu lancei mais um exercício de escrita criativa, dessa vez voltado para a criação de personagens, e aqui está a minha versão. Quem ainda não leu o exercício e quiser conferir ou tentar também pode clicar aqui. Vamos nessa:
Eu conheci Alex na universidade. Entramos no mesmo semestre para o curso de Publicidade e nos encontramos pela primeira vez em uma sala de aula, mas naquele dia ele era só mais um rosto em meio a tantos outros calouros desconhecidos e eu não teria olhado uma segunda vez na sua direção se não fosse pelo moicano verde neon, difícil de ignorar. Pessoas com o corte de cabelo tão ousado me assustavam um pouco naquela época, e eu rapidamente risquei Alex das minhas opções de amizade.
Na semana seguinte, eu já conseguia me lembrar do rosto da maioria dos meus colegas e tinha me acostumado o suficiente com a personalidade de cada um para perceber que alguém estava faltando. Foi só então que me dei conta de que o garoto do moicano verde tinha desaparecido. Achei que ele tinha abandonado o curso, mas descobri por um novo amigo que ele só tinha se livrado do moicano e agora era o garoto de cabeça raspada, que parecia inofensivo e com quem eu já tinha conversado no corredor, entre uma aula e outra. Fiquei em choque quando percebi que os dois eram a mesma pessoa e que ele não era um maluco usuário de drogas, como o meu preconceito tinha me levado a acreditar, mas uma pessoa totalmente normal. Sem me dar conta, eu tinha “confraternizado com o inimigo”, e acabei gostando disso.
Alex na verdade tinha cabelos castanhos, bem lisos, espetados pra cima. Seus olhos eram verdes, mas se você chegasse perto o suficiente, conseguiria ver algumas manchas amareladas perto da pupila. Seus cílios eram tão longos que fariam inveja em qualquer mulher. Ele não era muito alto e tinha raspado a barba junto com o moicano, o que deixava seu rosto mais arredondado e fazia com que ele parecesse alguns anos mais novo. Ele usava roupas largas, um cordão preto enrolado no pulso e anéis prateados. Sempre carregava uma mochila preta grandalhona, onde levava seus quadrinhos, notebook, caderno e canetas pretas. Nas aulas, ele fazia mais desenhos do que anotações e sentava no fundo, às vezes até cochilava, mas de alguma forma sempre conseguia se lembrar das coisas importantes que os professores falavam.
Depois de muitas idas e vindas até o restaurante universitário, trabalhos em grupo e conversas jogadas fora entre uma coisa e outra, Alex se tornou um dos meus melhores amigos. Ele era muito diferente de mim e não conseguíamos concordar em absolutamente nada. Ele detestava musicais, eu adorava. Ele preferia Senhor dos Anéis, eu gostava mais de Harry Potter. Eu era viciada em ler livros, ele preferia os quadrinhos. Se pra ele era bolacha, pra mim era biscoito. Mas eu me empolgava com as nossas conversas mesmo assim. Gostava do seu senso de humor e do seu jeito tranquilo. Alex era calado e não falava muito sobre a própria vida, mas isso nunca desencorajou minha vontade de saber mais.
Com o tempo, eu fiz perguntas suficientes para reunir alguns retalhos da sua biografia em um pequeno álbum mental que me ajudava a desvendar quem era Alex. Descobri que ele gostava de cerveja artesanal, hambúrguer, política, história e cinema. Ele se empolgava para falar sobre filmes e às vezes era um pouco pedante quando entrávamos nesse assunto. Ele morava em Taguatinga com os pais e com um irmão mais velho muito parecido com ele (quase seu clone). Era um procrastinador profissional e podia ser muito teimoso, o que eu também era, problema que estendia nossas discussões mais idiotas por meses. Apesar de ser canceriano, ele não era muito emotivo e tinha certa dificuldade para demonstrar seus sentimentos. Alex era canhoto e afinava o violão ao contrário. Ele tinha estudado em escola católica durante a infância/adolescência. Quando falava sobre essa época, ele dizia que sofria bullying na escola por ser um nerd gordinho. Apesar de ter emagrecido desde então, ele ainda sofria alguns complexos com o peso e tinha conservado o hábito de puxar a barra da blusa para baixo. Ele era tímido e muito educado, do tipo que pede desculpas por pedir desculpas. Quanto mais eu o conhecia, mais queria conhecer.
Conversávamos sentados na escada na frente da faculdade de comunicação. Eu praticamente o forçava a falar. Talvez ele me achasse intrometida na época, mas eu não me importava, tinha uma missão. Escavava o seu passado e me empolgava com cada nova descoberta. Foi em uma dessas buscas que Alex me contou sobre como ele foi parar na Publicidade. Seu irmão mais velho fazia Ciência da Computação e Alex também já tinha feito um semestre desse curso, mas acabou reprovando quase todas as matérias, em parte porque não teve uma base tão boa em exatas na escola, em parte porque percebeu que computação não era o que ele tinha imaginado. Ficou algum tempo perdido vagando sem rumo pela universidade até decidir que queria trocar de área. Chegando à conclusão que era de humanas, fez o próximo vestibular para Comunicação Social e acabou passando, o que nos colocou no mesmo barco. Secretamente, eu era grata por aqueles erros, porque se não fosse por eles eu provavelmente nunca teria conhecido Alex.
Comecei a perceber que ficava feliz até demais na sua companhia. Chegava mais cedo na universidade só porque sabia que Alex já estaria lá e queria uma desculpa para conversar com ele antes das aulas. Nessa época ele não era mais o garoto da cabeça raspada, seu cabelo já tinha crescido e ele tinha feito sua primeira tatuagem, uma frase em runas nórdicas no braço esquerdo que virou piada no nosso grupo de amigos porque todo mundo que perguntava o que estava escrito ali ficava decepcionado quando ele respondia: filho do vento norte. Era engraçado implicar com o Alex porque ele ficava vermelho quando a gente fazia isso. Como sua pele era muito branca, dava pra ver na hora quando alguém tinha acertado o alvo.
Alex abandonou o sapatênis e as bermudas que usava nos primeiros semestres por causa dessas implicâncias. Passou a usar calça jeans e tênis, mas continuava vestindo suas camisetas pretas estampadas com alguma referência de cultura pop ou com o nome das suas bandas favoritas, como Led Zeppelin e Pouca Vogal. Furou a orelha esquerda e colocou um brinco. Fez mais tatuagens nos braços, um coração geométrico e uma pirâmide trêmula desenhada por um tatuador não muito experiente em um evento duvidoso. Evidências de sua teimosia, que ele nega até hoje.
Eu prestava muita atenção em tudo que ele fazia e falava e sabia suas manias de cor. Já conseguia adivinhar quando ele ia passar no banheiro para molhar o cabelo e quando ele ia parar para se olhar no espelho, coisa que ele fazia com frequência porque era vaidoso. Também sabia que ele não queria conversar ou estava em um dia ruim quando colocava os fones de ouvido. Às vezes eu pedia para ouvir também, só de curiosidade, mas ele gostava de bandas de rock, punk e metal e eu não conseguia escutar esse estilo de música por muito tempo. Alex sempre preferiu as músicas de artistas que já morreram. Mais uma coisa que não tínhamos em comum.
Alex parecia meu completo oposto em muitos aspectos, e como dizem por aí, opostos se atraem. Eu gostava muito dele, mas naquela época o sentimento não era recíproco. Foi só alguns semestres mais tarde, depois de muitos altos e baixos, que nossos caminhos voltaram a se encontrar. E eu descobri que tudo que eu achava que sabia sobre Alex era muito pouco.
Conheci um novo Alex, um Alex de quem eu gosto ainda mais. O Alex atual também tem suas falhas: continua não gostando de brigadeiro, é levemente viciado no Twitter, insiste em se automedicar e não consegue ver filme ruim sem passar raiva. Ele tem uma propensão a desenvolver pedras no rim, torce o pé com uma facilidade impressionante e se recusa a admitir que ronca. Em compensação, ele cozinha muito bem, apoia todos os meus projetos malucos, me faz rir, me deixa jogar no seu computador, me lembra de que eu tenho que beber água e me empresta um pouco da sua sorte. Alex agora faz parte da minha história, e eu fico feliz por fazer parte da dele.
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