Invasão Alienígena
- Alice Castro
- 2 de fev.
- 6 min de leitura

Queridos leitores da Bibliosfera, assim como o nosso maravilhoso filme nacional indicado ao Oscar, eu ainda estou aqui. Andei ausente nos últimos meses porque a vida de estudante estava consumindo grande parte da minha energia e tempo, mas agora que as férias estão se aproximando (estou quase sentindo o gostinho da liberdade), eu consegui ressurgir das cinzas para trazer alguns textos novos para vocês. Obrigada por continuarem acompanhando e apoiando o blog apesar da minha falta de constância nas postagens, vocês são preciosos.
Para compensar o meu sumiço e provar que, durante esse tempo todo, eu não estive de pernas para o alto curtindo sombra e água fresca, decidi compartilhar com vocês um dos textos que escrevi na disciplina de Literatura Brasileira Modernismo. A atividade era escrever um conto utilizando técnicas de composição que caracterizaram esse movimento literário no Brasil, como revisitar memórias de infância, aproximar a língua escrita da língua falada, brincar com superstições, com o fantástico, e incorporar o fluxo de pensamento na narração.
Tentando combinar todas essas coisas, eu inspirei o meu texto nessa foto engraçada:

Para contextualizar, eu estou apertando as bochechas da minha irmãzinha e conferindo se ela tem dentes. A partir dessa memória, escrevi sobre a minha experiência como irmã mais velha se adaptando a um bebê novo em casa e na família. Eu me diverti bastante escrevendo esse pequeno conto e espero que vocês também aproveitem a leitura. Até semana que vem!
Invasão alienígena
A criatura chegou na minha casa como uma pequena múmia, embrulhada em cobertores, com a pele enrugada. Era menor do que eu esperava e não tinha cabelos. Mal abria os olhos, mas, assim que passou pela porta, todos só tinham olhos para ela. Os adultos se revezavam para segurá-la com muito cuidado, como se fosse um amuleto, uma relíquia. Olhavam para o embrulho fascinados, e eu ficava na ponta dos pés para tentar enxergar o que eles viam de tão impressionante ali dentro, mas só conseguia identificar um rosto espremido, meio amassado, que se dobrava em caretas de tempos em tempos, anunciando que alguém ou alguma coisa não estava do seu agrado. Então, apertava as mãozinhas e começava a se remexer contrariada dentro do casulo. Eu aprendi bem rápido que aquilo significava que uma tempestade estava se aproximando, e tapava os ouvidos para me proteger dos seus gritos potentes, que viravam a casa de cabeça para baixo.
Durante esses momentos de fúria, alguns tentavam sacudir a coisa para acalmá-la, mas isso nem sempre funcionava. Quando ela estava muito irritada, ficava avermelhada, então arroxeada, e gritava até que as suas vontades fossem atendidas. O que podia demorar. Era difícil adivinhar o que a criatura queria, porque ela não sabia falar a nossa língua, então os adultos estendiam uma variedade de oferendas para ela até que uma das coisas finalmente a tranquilizasse. Depois disso, calmaria. Ela podia dormir por horas, e, quando finalmente apagava, todos tinham que falar muito baixo e evitar se mexer demais. Era como se estivéssemos brincando de estátua. Mas não tinha graça nenhuma. Tudo era muito sério.
A alienígena era exigente, e meus pais, tios e avós rapidamente viraram seus súditos. A rotina da casa mudou de maneira radical. Ninguém tinha tempo para mais nada no meio daquele ciclone. Estávamos cercados de pacotes de fralda, mamadeiras, roupinhas minúsculas, chupetas e panos atirados por todos os lados. Minha família precisava se dividir para fazer as refeições, porque alguém sempre tinha que estar de olho na coisa. Quase não saíamos ou descíamos para ir ao parquinho. Meus pais dormiam sempre que se sentavam no sofá e meus desenhos e comentários engraçadinhos já não tinham mais o mesmo efeito sobre eles. No máximo, conquistavam um sorriso murcho. Eu tinha perdido todo o meu poder. Em poucos dias, a pequena múmia transformou todos em zumbis.
Antes de dormir, eu me revirava na cama, indignada. Eu jamais deveria ter respondido que sim algumas semanas atrás, quando minha mãe ainda carregava a barriga redonda e me perguntou se eu gostaria de ter uma amiguinha para brincar. Eu deveria ter desconfiado de que aquela oferta era boa demais para ser verdade. Mas, na minha empolgação, caí na cilada! Resultado: em vez de uma amiga, trouxeram uma invasora. Uma invasora sem graça, que quase não se mexia e fazia uma barulheira. Eu nunca iria conseguir brincar com aquela coisa, mal podia me aproximar dela sem sentir alguém vigiando cada um dos meus passos.
Precisava tomar uma atitude, antes que eu perdesse meu território completamente. Certo dia, eu reuni coragem e pedi, como quem não quer nada, para segurá-la. Queria passar um momento a sós com a coisa, para pedir a ela que voltasse para o seu planeta de origem e deixasse a minha família em paz. Ela ainda não falava, mas talvez conseguisse me entender. Meus pais ficaram desconfiados com o pedido, mas refletiram sobre os muitos nãos que já tinham atirado para mim naquela semana e aceitaram. Com várias condições. Eu tive que me sentar bem paradinha no meio do sofá, sob os olhos atentos de um adulto. Meu pai se sentou comigo e minha mãe colocou a múmia nos meus braços, mostrando como eu deveria segurar o embrulho. A cabeça era mole, precisava de apoio. Fiz como ela pediu, e senti o calor e o peso da alienígena nos meus braços. A criatura começou a fechar a cara, mas eu sacudi um pouco o corpinho e ela mudou de ideia.
Finalmente, estávamos frente a frente. Eu sentia os meus braços duros, não me atrevia a mexer um dedo. Ela tinha encolhido o pescoço para dentro do embrulho, como uma tartaruga ameaçada. Curiosa, coloquei a mão no seu rosto e apertei bem de leve as suas bochechas para ver o que tinha ali dentro que fazia tanto barulho. Quase derrubei a coisa: ela não tinha dentes! Olhei para o meu pai aterrorizada, mas ele não parecia muito preocupado. Adultos! Eles não são capazes de perceber o perigo nem quando ele mora debaixo do mesmo teto. A coisa sorriu, e ficou ainda mais enrugada. Meus pais acharam lindo, como sempre. Até que era engraçadinho, mas também não era pra tanto.
De repente, ela escancarou os olhos. Achei que meu coração ia parar, mas ele continuou, apressado. É agora a coisa vai descobrir o que eu planejei e abrir o berreiro acabou a brincadeira vou tomar uma bronca danada o que eu faço o que eu faço o que eu faço. Mas ela continuava me olhando, decidindo se me dedurava ou não. Tentei sorrir, fingindo inocência. Ela estendeu o dedinho como o E.T. do filme do Spielberg e eu encostei nele. Talvez estivesse pedindo o telefone para ligar para a sua verdadeira família, que chegaria em um disco voador. Um canal de comunicação silencioso se abriu entre nós.
“Oi”, ela testou.
Fiquei assustada ouvindo aquela voz dentro da minha cabeça, mas respondi:
“Oi. Como você fez isso?”
“Não sei, deve ser porque somos irmãs. Os adultos não conseguem me escutar. Acho que temos uma conexão especial.”
“Ah tá… Olha só, sobre isso… Foi legal receber você aqui e tudo, mas meus pais estão bem cansados, sabe. Você dá muito trabalho…” Eu não sabia muito bem como dizer o que eu queria sem ser grosseira. Refleti por alguns segundos, então arrisquei: “Temos um telefone aqui em casa…”
“O que é um telefone?”
“Ele tem botões com números, um fio enrolado, e você pode ligar para as pessoas.”
“Legal. Mas eu estou bem, obrigada.”
Fiquei um pouco irritada.
“Desde que você chegou aqui, tudo está diferente. Eu não estou gostando.”
“Você está reclamando de barriga cheia. Eu mal consigo me mexer, ninguém me entende e as pessoas ficam me apertando o tempo todo. Além disso, tente usar uma fralda suja para ver se é fácil.”
Fiz uma careta.
“Tudo bem, isso deve ser ruim mesmo. Mas você é muito barulhenta às vezes.”
“Não é minha culpa. Os adultos só me entendem desse jeito. Eles são meio lentos.”
Com aquele protesto eu conseguia me identificar.
“É, adultos nunca entendem nada…”
“Pelo menos agora eu não estou mais sozinha nessa casa de doidos.”
Laura deu um bocejo, e minha mãe estendeu os braços para tirar o embrulho do meu colo.
_ Agora sua irmã precisa dormir. Amanhã você pode segurar ela mais um pouco.
Ainda desorientada com o que tinha acabado de acontecer, eu concordei. Minha mãe se retirou com o pequeno embrulho, e meu pai já estava cochilando do meu lado no sofá. Fiquei sozinha com os meus pensamentos, tentando entender como eu me sentia sobre Laura. Ela não era tão terrível como eu tinha pensado que seria, mas eu estava disposta a dividir tudo o que era meu, minha casa, minha família e minhas coisas, com ela? Ainda era cedo para tomar uma decisão definitiva. Eu precisava de mais tempo para conhecer Laura. Por enquanto, ela podia ficar por mais uma semana.
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