Sobrevivendo ao algoritmo
- Alice Castro
- 24 de ago. de 2022
- 4 min de leitura

Se você atualizar o seu feed de qualquer rede social agora, aposto que pelo menos uma dessas alternativas vai surgir: fofocas sobre celebridades, vídeos curtos de humor que usam filtros para distorcer o rosto e a voz, imagens com cores super saturadas acompanhadas de um título clickbait, pessoas malhadas usando roupas caras frequentando lugares caros, coreografias de tik tok ou reacts. Independentemente da bolha de que você faz parte, esses são os formatos que inundaram as redes sociais sem dó nem piedade, passando por cima de qualquer post minimamente inovador que se colocar em seu caminho. É irônico que a gente esteja se afogando em conteúdos tão rasos. Mas não é surpreendente.
É exatamente esse tipo de postagem que o algoritmo valoriza, e, consequentemente, é esse tipo de conteúdo que quem quer ganhar destaque - e dinheiro - nas redes sociais vai se esforçar para produzir. É fácil, rápido, lucrativo, atraente, viciante e… vazio. Assim como um cenário de papelão que pode criar a ilusão de uma bela paisagem realista quando visto de frente, mas desaba com o sopro de uma brisa e nem mesmo faz barulho quando bate no chão, revelando sua completa falta de estrutura e profundidade.
A dura verdade é que, para as redes sociais, tanto faz se existe alguma coisa por trás do cenário. O que importa é que o papelão chame atenção suficiente para trazer lucro enquanto estiver de pé. Curtidas, visualizações, comentários, compartilhamentos: é assim que o algoritmo determina qual é o “conteúdo” que ele vai atirar na sua direção mais tarde. E também é assim que ele prejudica quem dedica mais tempo e esforço para trazer alguma coisa que realmente faça diferença na vida de quem vai assistir.
Afinal, por que alguém se daria ao trabalho de passar horas pesquisando, escrevendo um roteiro, gravando e editando se tudo o que você precisa fazer para ser impulsionado pelo algoritmo é comentar um vídeo que alguém já fez, ou dançar a mesma coreografia repetitiva que algum outro influencer já criou? Reciclar é muito mais fácil do que criar. Por que alguém acharia importante estudar e ter alguma coisa significativa a dizer se não é preciso nem mesmo falar nada para ser aplaudido por postar a foto de um prato elegante em um bistrô famoso? A audiência engole isso, mas não é capaz de digerir um vídeo mais longo do que trinta segundos.
É seguindo essa lógica que o algoritmo, com a nossa colaboração (mesmo que esta seja em parte inconsciente), está obrigando os produtores de conteúdo a produzirem mais, não melhor. Cobrando uma frequência maior de postagens e um formato mais acelerado, a rede social incentiva e recompensa o conteúdo preguiçoso. Alguns criadores mais dedicados, que realmente valorizam a qualidade e a relevância do que postam, ainda tentam se encaixar nesse padrão mantendo sua essência, mas é praticamente impossível competir de igual para igual com alguém que produz semanas de conteúdo em um dia, simplesmente trocando de roupas para mostrar para os seguidores o novo look (patrocinado, claro).
Imagine um canal no YouTube que fala sobre ciência, ou um canal que discute política, tendo que ser avaliado pelas mesmas métricas que um gamer fazendo unboxing do novo playstation. Não é difícil de imaginar quem vai ganhar essa disputa, considerando que o único valor que o algoritmo compreende é o financeiro. Ele não separa informação de entretenimento, conhecimento de amenidades. Ele não se preocupa em manter a diversidade, a pluralidade. Ele simplesmente coloca os dois canais na mesma balança e decide que impulsionar o gamer vale mais a pena.
Depois de alguns meses, o canal de ciência ou política começa a perceber que está perdendo audiência e dinheiro e o criador fica totalmente desmotivado a continuar, achando que ninguém mais quer ver seus vídeos. Na verdade, muita gente se importa com esses assuntos e gostaria de acompanhar o canal, mas o algoritmo não está ajudando o conteúdo a alcançar as pessoas certas. Ele está muito ocupado fazendo uma espécie de leilão virtual da sua atenção.
Sim, o algoritmo pode ser cruel. Mas, como eu comentei antes, não dá pra gente se eximir completamente da responsabilidade e apontar o dedo para os problemas das redes sociais sem refletir sobre como a nossa forma de consumo dá um poder ainda maior para as injustiças do algoritmo. Só existem centenas de dançarinos de tik tok fazendo coreografias exatamente iguais com a mesma música de fundo e dezenas de blogueiras viajando para Miami de primeira classe porque muitas pessoas engajam com esse tipo de conteúdo. E eu não estou dizendo que isso é errado, tem gosto para tudo, só estou reforçando que precisamos pensar melhor sobre o que estamos apoiando quando entramos nos nossos perfis. Valorizar mais o impacto dos nossos likes, das nossas visualizações. É fácil sair curtindo e comentando tudo que aparece na nossa frente sem pensar, mas, movidos por essa febre, podemos estar prejudicando bons produtores de conteúdo sem perceber.
Se você gosta de blogueiras, acompanhe blogueiras e curta os posts das blogueiras, mas não se esqueça de apoiar também outros tipos de perfil, principalmente aqueles que dedicam muito tempo e esforço para trazer algo de valor para a internet, mesmo que não ganhem o suficiente para isso. São esses que mais dependem da sua ajuda para se manter de pé. Pense nos seus interesses e busque ativamente por criadores que ofereçam isso nas redes sociais. Não se contente apenas com os sugeridos pelo algoritmo, vá atrás de gente diferente, de conteúdo novo.
Tem MUITOS criadores talentosos na internet, de infinitas áreas e especialidades, vários com menos da metade do reconhecimento que deveriam ter pelo esforço que dedicam para manter seus perfis ativos. Não é justo que esse espaço virtual fique limitado a memes e fofocas e que tantas pessoas apaixonadas, com tanto a dizer, dividir e ensinar, fiquem sempre escondidas atrás de pedaços chamativos de papelão.
Para finalizar o desabafo de hoje, deixo aqui o meu apelo: não se esqueça de que você tem um papel fundamental para melhorar a forma como o algoritmo funciona e motivar os criadores de conteúdo a continuarem seu trabalho. Não jogue essa oportunidade fora.
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