O show de horrores do LinkedIn
- Alice Castro
- 11 de mar. de 2022
- 3 min de leitura
Atualizado: 11 de out. de 2023

Dia desses estava passeando pelo meu feed do LinkedIn e me deparei com um post desconcertante que me tirou do sério. Por alguns segundos, fiquei paralisada encarando o texto e a imagem, querendo acreditar que eu tinha entendido errado. Mas não. Na foto, um jovem estava sentado diante do seu notebook, sorridente, trabalhando em uma mesa improvisada, em um quarto de hospital. Ao fundo, um senhor de idade ocupava um leito. O texto acima da imagem era um agradecimento à empresa, que permitiu ao funcionário fazer home office para que pudesse acompanhar o tratamento do pai no hospital.
Quando me recuperei do choque inicial de analisar aquela foto que mais parecia uma charge, fiquei indignada, furiosa. Era um absurdo o funcionário estar de home office naquelas circunstâncias, inaceitável. Ele deveria receber uma licença remunerada para poder se dedicar à família naquele momento difícil. Afinal, como podemos nos concentrar no trabalho quando alguém que amamos está precisando tanto de nós? Mas o rapaz não só estava trabalhando ao lado do pai doente, como também agradecia a empresa por essa “oportunidade” de exercer sua função à distância.
Com o desemprego e a informalidade no mercado de trabalho devastando o país, eu não deveria ficar surpresa com o fato de que esse tipo de conteúdo está sendo compartilhado, até mesmo aplaudido, com uma frequência cada vez maior no LinkedIn, mas não consigo conter minha indignação quando vejo alguém tentando maquiar e fantasiar o absurdo para disfarçá-lo de normalidade. Esse não foi o primeiro, e com certeza não será o último, caso claro de exploração que encontrei na rede social, mas para mim, a força dessa imagem foi a gota d’água que transbordou o copo e me levou a escrever este texto.
Para quem nunca ouviu falar no LinkedIn, o aplicativo se apresenta como uma rede social de negócios, onde as empresas ofertam vagas e os trabalhadores podem se candidatar e compartilhar sua experiência profissional para encontrar novas oportunidades. Na teoria, isso tudo parece muito bonito, mas, na prática, como acontece com frequência, a história é outra.
Talvez você precise de luvas para navegar por algumas publicações obscuras do LinkedIn sem queimar seus dedos no ácido. A rede social pode ser um ambiente extremamente tóxico, servindo de palco para empresários e coaches cuspirem discursos no estilo “trabalhe enquanto eles dormem”, aplaudidos por milhares de pessoas desesperadas para acreditar na mentira propagada por eles de que basta ser esforçado para conquistar o tão sonhado sucesso.
Desconsidere a crise econômica, a pandemia, a falta de oportunidades. Se você está desempregado e passando por dificuldades, a culpa é toda sua. Por outro lado, se uma vaga de emprego bater na sua porta, você deve encarar esse gesto como um favor, um ato de generosidade da empresa, e deve ser extremamente grato a ela pelo resto da vida por ter recebido essa oportunidade, ofertando o seu sangue, suor e lágrimas como retribuição.
Aceite o salário que te oferecerem, nas condições que o seu empregador determinar, e sinta-se muito sortudo. Olhe quantas outras pessoas gostariam de ocupar o seu lugar. Ou melhor, olhe quantas pessoas poderiam ocupar o seu lugar se você não se mostrar agradecido o bastante.
Não é por acaso que temos tantos funcionários romantizando condições de trabalho insalubres. Fazer hora extra sem pagamento virou luxo, assim como trabalhar nas suas supostas férias enquanto seus filhos brincam na piscina do hotel. Sempre com um sorriso no rosto, uma caneca com a logomarca da empresa cheia de café para te manter acordado respondendo às centenas de e-mails urgentes, um belo texto de agradecimento que poderia facilmente se transformar em uma denúncia se trocássemos algumas palavras.
É cruel. É revoltante. E eu estou cansada por todas essas pessoas que nunca souberam o que é ter horário para entrar e sair do expediente, nunca seguraram uma carteira assinada nas mãos, nunca tiveram direito à férias ou a uma licença remunerada, nunca dormiram uma noite tranquila, com a garantia de que seu trabalho ainda estaria esperando por elas no dia seguinte. O mercado de hoje não espera por ninguém. Afinal, tempo é dinheiro. E dinheiro é tudo que importa no show de horrores do LinkedIn.
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