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O hype traiçoeiro da Biblioteca da Meia-Noite

  • Foto do escritor: Alice Castro
    Alice Castro
  • 21 de set. de 2022
  • 5 min de leitura

Atualizado: 3 de jan. de 2024


Photo by Jaredd Craig on Unsplash

Eu me considero uma pessoa negativa e crítica na maior parte do tempo, mas outro dia desses reparei que a maioria das resenhas que eu escrevi no blog até hoje foram positivas. Isso não seria surpreendente se a Bibliosfera tivesse algumas semanas de vida, mas eu comecei a escrever aqui em fevereiro de 2022. Não é como se, ao longo desses oito meses de leitura, eu tenha dado a sorte de esbarrar só em obras primas, muito pelo contrário. Ler um pouco de tudo tem seus benefícios, mas também cobra seu preço. É como dar um tiro no escuro. Às vezes você acerta o alvo, mas também pode acontecer de a bala voltar na direção da sua cabeça. E eu tomei algumas balas perdidas ultimamente.

“Então porque essas experiências ruins não foram registradas aqui, Alice?” - você talvez esteja se perguntando. E a resposta, querido(a) leitor(a), é que eu preciso admitir que andei omitindo os livros de que não gostei tanto no blog. Não por medo de ofender alguém sendo sincera, mas simplesmente porque bons livros me motivam muito mais a escrever. Eu sinto que eles precisam ser compartilhados e admirados, porque podemos aprender muito com os acertos de escritores talentosos e experientes. Mas hoje eu decidi que os erros também têm seu valor e que é hora de começar a falar sobre os problemas dos livros não tão legais no blog.

Por isso, vim aqui para desabafar sobre a minha decepção literária mais recente: A Biblioteca da Meia-Noite, do autor Matt Haig. Seduzida pelo hype de um marketing bem feito, eu permiti que as minhas expectativas para o livro crescessem, o que só tornou a queda mais dolorosa no final. Mas, em minha defesa, além de ser um best seller muito bem avaliado na Amazon, ABDMN (vou usar essa sigla para facilitar porque o título é longo demais para ficar repetindo) tinha sido muito elogiado por pessoas que, supostamente, estão por dentro das novas tendências literárias.

Sem dúvidas, é um livro popular com uma premissa interessante. ABDMN conta a história de Nora Seed, uma mulher que leva uma vida cheia de decepções e arrependimentos até que, em um dia particularmente difícil, toma a decisão de se suicidar. Em um estado entre a vida e a morte, Nora acaba indo parar em uma biblioteca que contém infinitos livros, cada um contendo a história de uma versão da sua vida caso ela tivesse feito escolhas diferentes. Nora tem então a oportunidade de experimentar cada uma dessas realidades paralelas e procurar por alguma versão onde ela seja feliz e queira permanecer.

A ideia tem potencial, não é? Matt Haig poderia abordar muitos temas importantes e desenvolver a fundo sua protagonista nesse livro. Assim como acontece com os livros da biblioteca, ele poderia explorar infinitos ângulos em sua história: depressão, suicídio, arrependimentos, pressões da vida moderna, amizade, coragem, amor, felicidade, laços familiares, maturidade, expectativas, etc. É uma ideia que, se bem escrita, pode te fazer refletir, rir e chorar. Mas a dura verdade é que o autor se contentou com uma história tão rasa quanto sua protagonista e não conseguiu me emocionar de nenhuma forma. Se eu ri, não foi graças ao senso de humor inteligente do escritor, mas porque estava reagindo a alguma cena que eu simplesmente não consegui levar a sério.

Não me senti cativada por Nora Seed, em nenhuma de suas vidas. Sim, ela tem muitos problemas com os quais poderíamos facilmente nos identificar, o que é uma estratégia muito usada por autores para tornar seus personagens mais carismáticos e nos levar a sofrer com eles e torcer por eles, mas aqui simplesmente não funcionou. Para mim, Nora, uma mulher de trinta e cinco anos, chega a se comportar como uma criança birrenta em alguns momentos, o que faz com que seus problemas pareçam menos significativos do que deveriam ser. Os outros personagens passam muito brevemente pela história para deixar alguma coisa de peso em seu caminho e alguns têm a mesma consistência e permanência de uma miragem, já que desaparecem assim que a protagonista abandona uma vida e entra em outra.

E por falar nisso, essa mudança instantânea entre vidas, que poderia apresentar dilemas interessantes para a personagem, foi feita de forma tão pouco elaborada que acabou enfraquecendo o conflito. Afinal, se Nora não precisa enfrentar as consequências de decisões ruins e pode trocar de realidade com a mesma facilidade com que decide experimentar um novo sapato, qual é o peso que suas escolhas e ações têm nesses universos paralelos?

Já o tema de depressão e suicídio, que eu imaginei que teria um grande destaque ao longo de toda a história, considerando sua gravidade e complexidade, acaba servindo simplesmente como pano de fundo, um motivo para que Nora vá parar na Biblioteca. Depois, ele desbota e desaparece, como se não passasse de um delírio da personagem, como se a depressão e a decisão tão trágica de tirar a própria vida pudessem ser “superadas” de forma tão simples.

Por tudo isso, achei o livro previsível e preguiçoso. Os diálogos, que são muitos e artificiais, em alguns momentos chegam a ser patéticos, levando de nada a lugar nenhum, ou lançando declarações e convites à reflexão bregas, com frases de filósofos encaixadas aqui e ali na esperança de aprofundá-los.

O ritmo da narrativa também não colabora para trazer alguma profundidade às cenas. Tudo é acelerado, alguns capítulos chegam a ter menos de uma página, o que acaba matando o drama antes que ele se desenvolva o suficiente para ser capaz de gerar algum tipo de reação no leitor. Ao mesmo tempo, cenas que não têm peso ou significado se estendem por páginas e páginas, criando uma estranha sensação de que estamos passeando em um carro que acelera diante das paisagens bonitas, sem nos permitir apreciá-las, e de repente decide estacionar em um beco de concreto que não oferece nada de novo ou emocionante aos observadores.

Sendo bem sincera, se eu não fosse uma leitora persistente, teria abandonado ABDMN nas primeiras dez páginas. Dá pra entender o que o autor buscou alcançar com essa história, seus objetivos de mostrar que a vida vale a pena e que sempre é tempo de fazer novas escolhas e recomeçar. Mas eu não consegui sentir essa mensagem na pele. O livro todo parece uma espécie de palestra motivacional. Falta beleza, falta intensidade, falta mergulhar mais fundo. Não quero que um autor me explique porque eu deveria valorizar as coisas pequenas, ou viver como se cada dia fosse o último, quero que ele me faça entender isso com o coração, não com a cabeça.

Chegando ao final desse desabafo, eu me sinto até um pouco cruel por ter criticado um livro de forma tão dura, mas a verdade precisa ser dita aqui, e a verdade é que Matt Haig falhou comigo em ABDMN. O que não quer dizer que ele seja um péssimo escritor, ou que ele não possa acertar com você. Essa é a magia da literatura, sua capacidade de revelar coisas completamente diferentes a depender de quem está lendo. Mas, para mim, definitivamente não foi um match.

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