Explorando o labirinto da Casa de Folhas
- Alice Castro
- 5 de out. de 2024
- 5 min de leitura

Uma coisa que sempre me fascina na literatura é a criatividade dos autores para desenvolverem novas formas de contar suas histórias, fugindo do padrão e brincando com as expectativas dos leitores. Alguns escritores fazem isso quebrando a linearidade do tempo na narrativa (misturando futuro, passado e presente), outros apresentam narradores inesperados, e há ainda aqueles que inventam uma nova forma de escrever, experimentando com a linguagem. Por sua vez, o autor norte-americano Mark Z. Danielewski decidiu aproveitar o próprio formato físico do livro de um jeito inovador para enriquecer sua história em Casa de Folhas.
O livro visualmente caótico de Danielewski, cheio de notas de rodapé, anexos, colagens e imagens, é bastante original principalmente na maneira como distribuiu o texto no espaço das páginas (colocando-o em posições e ângulos inesperados, combinando-o com espaços em branco, fazendo desenhos com as palavras...), convidando assim o leitor a participar da história como investigador e a interagir com o livro em suas mãos, girando-o, avançando e retrocedendo ao longo da leitura, explorando cada pedaço das folhas para não deixar passar nenhum detalhe que pode se revelar importante mais tarde.
Ideal para os fãs de histórias de mistério, suspense e terror psicológico, Casa de Folhas é especialmente indicado para aqueles que gostam de desafios, de reunir pistas e tentar encontrar soluções para enigmas. Se você se encaixa nessa categoria e ficou curioso para ler o livro, não se preocupe, eu não vou estragar a sua experiência dando spoilers nessa resenha. Este texto é apenas uma apresentação, uma porta de entrada para que você se sinta encorajado a explorar a Casa de Folhas por conta própria.
Mark Z. Danielewski construiu Casa de Folhas colocando {uma história [dentro de outra história (dentro de outra história)]}. Tudo começa quando o jovem Johnny Truant encontra um baú cheio de manuscritos na casa de seu falecido vizinho, Zampanò. Johnny não sabe quase nada sobre o velho cego e reservado, mas sente-se misteriosamente atraído pelo trabalho a que Zampanò dedicou grande parte de sua vida, uma pesquisa sobre filmagens inquietantes que teriam sido produzidas por Will Navidson, um fotógrafo premiado, em sua nova casa, lugar perturbador que parece contrariar as leis da física.
Então, aí estão as três histórias combinadas em uma: Will Navidson fez um documentário sobre sua casa peculiar, mostrando como ele e a família estão se adaptando ao novo espaço; Zampanò escreveu um texto analisando as filmagens de Navidson, acrescentando novas informações coletadas de várias fontes sobre o documentário; por fim, Johnny Truant organiza e comenta os manuscritos de Zampanò, relatando as suas impressões sobre o que está lendo. O jovem escreve uma espécie de diário de leitura, e, enquanto investiga o texto de Zampanò, acaba nos contando um pouco sobre o seu passado e sobre a sua vida conturbada.
Como você já deve ter percebido, essa é uma história com várias camadas e muitas questões não respondidas que nos provocam a buscar explicações. Talvez, como eu no início do livro, você esteja se perguntando, por exemplo, como um velho cego pode ter analisado um filme tão detalhadamente, a ponto de desenvolver uma pesquisa sobre ele. Existem algumas possíveis respostas para essa questão: 1) ninguém sabe se Zampanò nasceu cego ou perdeu a visão mais tarde; 2) o velho pode ter pedido para outra pessoa descrever as cenas do filme para ele, assim como Zampanò tinha ajuda de alguns jovens voluntários, que o visitavam em sua casa, para ajudá-lo a escrever a pesquisa; 3) como Johnny não consegue encontrar nenhuma evidência que comprove a existência do documentário de Navidson, ou mesmo da casa onde o filme teria sido gravado, não podemos descartar a possibilidade de que Zampanò talvez seja um velho lunático e tenha inventado, ou delirado, tudo. Possibilidade que perturba Johnny em vários momentos do livro. Como saber se o que Zampanò relata é verdadeiro? Cada um pode desenvolver as suas teorias lendo Casa de Folhas e reunindo evidências.
Mas, afinal, o que há de tão estranho na casa de Navidson? Por que o documentário teria atraído Zampanò? Por que Johnny Truant ficou tão fascinado pelos manuscritos do velho? Para não nos perdermos nesse labirinto, vamos por partes. Comecemos pela história de Will Navidson. Depois de anos de uma carreira frenética que lhe rendeu um Pulitzer e grande reconhecimento internacional, o fotógrafo decide que está na hora de se aposentar e aproveitar a convivência com a sua família. Assim, Will, sua esposa Karen e seus dois filhos pequenos se mudam para uma casa espaçosa em Ash Tree Lane, afastados da agitação de uma cidade grande.
Empolgado com a mudança, Will instala câmeras nos cômodos da nova casa, registrando a rotina da família, que começa a se acostumar ao novo lar. Depois que todos estão instalados, os Navidson tiram alguns dias de férias para visitar a avó das crianças em outra cidade. Quando retornam, sentem que algo está diferente, como se o espaço tivesse sido invadido em sua ausência e já não pertencesse mais a eles. Descobrem então, no interior da casa, o surgimento de uma porta que não estava ali quando eles se mudaram, uma entrada para um corredor completamente escuro e frio. Nem a porta nem o corredor aparecem nas plantas arquitetônicas e nas filmagens anteriores à viagem, o que perturba a família. O corredor aterroriza Karen, mas exerce uma estranha fascinação sobre Will, que sente-se tentado a explorá-lo.
Will Navidson começa então a produzir um documentário cheio de suspense, registrando descobertas sobre a casa, que eles logo comprovam ser inexplicavelmente maior por dentro do que por fora, bem como expedições tensas pelo corredor sinistro, que muda de formato, expande e contrai, faz surgir novas portas e cômodos, todos escuros e aparentemente abandonados. Will, seu irmão Tom e alguns amigos militares e aventureiros que aceitaram o desafio de explorar o espaço inquietante e inóspito registram cada movimento com câmeras de vídeo, cientes de que estão presenciando um fenômeno que escapa à compreensão humana.
Segundo o relato de Zampanò, o documentário de Navidson teria sido distribuído em uma quantidade limitada de fitas, para grupos seletos de pessoas. O próprio Zampanò afirma ser um dos poucos que teve acesso ao filme, e dedicou toda a sua vida a tentar desvendar o mistério da casa, embora tenha morrido antes de conseguir concluir a sua pesquisa. Johnny Truant, como o velho, também fica obcecado pela história aparentemente inexplicável de Navidson e decide dar continuidade ao trabalho que Zampanò iniciou, indo atrás de novas evidências e percebendo que coisas estranhas começaram a acontecer em sua vida depois que começou a ler os manuscritos sombrios.
Cabe a nós, como leitores, reunir todas essas informações e tentar encontrar uma saída para o labirinto, se é que ela existe. Eu gostei bastante do livro, principalmente da história de Will Navidson e de sua casa sobrenatural narrada por Zampanò. Além disso, a distribuição criativa do texto, que acaba virando um recurso visual para complementar a narrativa, ajuda a transmitir a sensação de desorientação e insegurança dos exploradores, que tentam desvendar o mistério da casa e do corredor escuro, um espaço imprevisível em constante transformação. O próprio livro é tão mutável quanto o corredor, o que foi uma ideia muito interessante do autor. O suspense do livro também é bem trabalhado, e ficamos sempre tentados a continuar a leitura para descobrir o que acontece em seguida, ávidos por encontrar respostas para as nossas dúvidas que se acumulam.
A única parte de Casa de Folhas que não me empolgou tanto foram as intervenções de Johnny Truant, um jovem órfão com um passado traumático, que trabalha como assistente em um estúdio de tatuagem e vive uma vida intensa e desregrada. Perto da história instigante de Navidson e do texto bem construído de Zampanò, os comentários e as travessuras de Johnny parecem desbotados e não conseguiram prender tanto a minha atenção e interesse. Mas o restante do livro compensou esse personagem com quem eu não consegui me identificar tanto. De forma geral, eu me diverti bastante e recomendo a leitura para os curiosos que saboreiam uma boa história de mistério.
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