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Novos pontos de vista em O Olho Mais Azul

  • Foto do escritor: Alice Castro
    Alice Castro
  • 21 de set. de 2023
  • 4 min de leitura

Foto de Mick Haupt na Unsplash


Algumas coincidências são impressionantes demais para serem ignoradas. Foi uma delas que praticamente me empurrou até o computador para escrever esta resenha. Eu estava adiando a tarefa, pensando que ainda não me sentia pronta para fazer um comentário digno de um livro tão impactante como esse, mas o destino acabou decidindo por mim que era hora de parar de pensar demais e começar.

Algumas semanas atrás, eu terminei de ler O Olho Mais Azul, livro de estreia da brilhante Toni Morrison, primeira autora negra a conquistar um Prêmio Nobel de Literatura. Meu primeiro contato com o trabalho de Morrison foi em 2021, quando eu li A Canção de Solomon, uma obra diferenciada, com personagens e eventos memoráveis. Conhecendo um pouco do estilo da autora, eu achei que podia esperar algo parecido de O Olho Mais Azul. Mas, dessa vez, Toni Morrison puxou o tapete debaixo dos meus pés sem piedade e me derrubou de cara no chão. Ler O Olho Mais Azul foi algo parecido com sonhar que eu estava caindo e acordar com o frio no estômago e aquele movimento brusco do corpo se encolhendo, tentando se preparar para o impacto.

Definitivamente, é uma experiência que provoca desconforto. E é exatamente isso que uma história como essa deve provocar. Morrison tomou a decisão corajosa de não tentar poupar seus leitores e, embora enfrentar o seu livro não seja fácil, não deveríamos fugir desse conflito. Temos uma tendência a evitar obras pesadas como essa para nos proteger da dor, da tristeza, da culpa e da indignação. Mas sentir essas coisas faz parte de ser humano. Faz parte de se importar. Como Morrison, precisamos decidir se vamos tomar o caminho mais agradável e fechar os olhos para os problemas que nos cercam, ou o caminho incômodo, que nos desperta para a realidade e nos permite transformá-la.

Com tudo isso em mente, eu preparei uma resenha sem spoilers para incentivar vocês a lerem esse livro e experimentarem em primeira mão todas as emoções que ele contém. Antes de começar, deixo aqui o link para a reportagem que me motivou a escrever sobre O Olho Mais Azul:




Poucas violências são tão destrutivas quanto a violência de tentar convencer uma pessoa de que ela não deveria ser o que é. Aos onze anos de idade, Pecola Breedlove já tinha chegado à conclusão de que sua vida poderia ser diferente se ela fosse diferente. A criança acreditava que, com uma pequena mudança na sua aparência, seus pais se lembrariam de como a amavam e deixariam de brigar, seus colegas passariam a disputar sua companhia e os adultos seriam gentis com ela. Por isso, antes de se deitar para dormir, sempre pedia a Deus que lhe desse olhos azuis.

Olhos azuis como os das crianças brancas que eram tratadas de forma tão respeitosa e carinhosa por todos. Olhos azuis como os das estrelas de cinema, das bonecas que todos embalavam afetuosamente, das modelos que apareciam em cartazes e comerciais. Pecola também gostaria de merecer essa atenção. De ser bonita. E, ao que tudo ao seu redor indicava, ser bonita era o oposto de ser ela mesma. Assim, concluiu que era feia. E fazia tudo que podia para não se ver e não ser vista.

Pecola é uma protagonista que não parece ocupar o centro nem mesmo da própria história. É uma criança calada, discreta. Aceita aquilo que lhe é imposto em silêncio, não manifesta sua opinião nem mesmo diante de outras crianças e parece não ter nenhum interesse ou ambição. A sua personalidade gira em torno de alguém que gostaria de ser, não de quem é. Mas isso não quer dizer que ela seja uma protagonista desinteressante, muito pelo contrário. Existem muitas questões escondidas abaixo da superfície.

Ao longo do livro, vamos desvendando toda a complexidade de Pecola por meio de relatos de outros narradores. O Olho Mais Azul combina vários pontos de vista diferentes para tratar de uma realidade tão densa com o merecido aprofundamento. Conhecemos os pais de Pecola e suas histórias, que também ajudam a compor a identidade da filha. Claudia, uma colega de escola de Pecola, é outra narradora que nos permite ter acesso a novos aspectos essenciais da vida da protagonista, problemas muitas vezes invisíveis da perspectiva de um adulto.

A visão leve e ingênua de Claudia, uma personagem de nove anos com uma voz cheia de personalidade e muito bem construída por Toni Morrison, contrasta com o cenário pesado e repleto de adultos endurecidos, quebrados e corrompidos por vidas difíceis. Além disso, a relação de Claudia com a irmã, Frieda, também traz momentos bem humorados para uma narrativa que precisa desses espaços de respiro em meio a situações sufocantes.

Espiando através dessas frestas, reveladas nos momentos certos pela autora, conseguimos enxergar além da primeira impressão de Pecola e de sua família. Temos um quadro mais completo dos personagens e da história, que nem por isso está acabado. Afinal, uma das coisas que a obra nos ensina é a ir além das aparências, a entender que a vida não deveria ser resumida em categorias como bonito ou feio, certo ou errado. A realidade transborda para fora dos padrões.

Cabe a nós, como leitores, dar continuidade à reflexão proposta por Toni Morrison em O Olho Mais Azul e buscar respostas para as questões espinhosas levantadas pelo livro. Nem sempre vamos encontrá-las, mas temos a obrigação de continuar procurando.





Obrigada por me acompanhar até aqui, leitor(a)! Eu espero que essa resenha tenha instigado a sua curiosidade para ler essa e outras obras de Toni Morrison no futuro. Sem dúvidas, é uma experiência intensa, mas necessária. Entre muitas outras coisas, O Olho Mais Azul nos faz perceber como padrões de beleza são destrutivos, tendenciosos e precisam ser combatidos. Questão cada vez mais urgente em uma sociedade que se preocupa tanto com as aparências que, como vimos na reportagem no início do texto, até um homem branco está disposto a arriscar a saúde e a visão para ter olhos azuis.


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