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O Apanhador no Campo de Centeio: um clássico surpreendente

  • Foto do escritor: Alice Castro
    Alice Castro
  • 31 de ago. de 2023
  • 4 min de leitura

Atualizado: 18 de mar. de 2024


Foto de Fabio Fistarol na Unsplash

Traumatizadas com a experiência de leitura que tiveram na escola, muitas pessoas fogem dos livros clássicos. Pensam que todos eles são difíceis de decifrar, chatos, longos e cansativos. Em resumo, o completo oposto de entretenimento. E dá pra entender de onde vem essa resistência. Depois de ler obras como Memórias Póstumas de Brás Cubas e S. Bernardo no ensino médio, eu praticamente prometi para mim mesma que nunca mais chegaria perto de um clássico. Risos. Acabei me tornando aquilo que um dia eu jurei destruir: a pessoa que não só gosta de clássicos, como defende que todos devem lê-los. Com uma ressalva: na hora certa.

O problema é que, no ensino médio, a grande maioria de nós não tem maturidade, como pessoas e como leitores, para apreciar autores como Machado de Assis e Graciliano Ramos. Ainda precisamos ler muito, e viver muito, para entender o que torna essas obras tão importantes. Se até adultos maduros podem enfrentar dificuldades para ler os clássicos, como esperar que uma criatura de quinze anos seja capaz de aproveitar essa experiência? Forçando livros obrigatórios goela abaixo, a escola acaba afastando os alunos dos grandes autores e de suas obras. Os clássicos começam a ser associados a algo maçante, um dever a cumprir. Cria-se uma separação na cabeça dos alunos entre a leitura por prazer e a terrível leitura de clássicos. O que é muito triste.

Clássicos podem ser emocionantes, bem-humorados e, até mesmo, fáceis de ler. Podem ser tão divertidos quanto um livro de suspense, uma comédia ou uma fantasia. O Apanhador no Campo de Centeio, do autor norte-americano J. D. Salinger, é prova disso.

A resenha de hoje não contém spoilers e é sobre um clássico que pode te ajudar a superar o medo de clássicos.





Holden Caulfield é o protagonista e narrador d’O Apanhador no Campo de Centeio, e ele tinha tudo para ser um personagem detestável. Holden tem dezessete anos, é herdeiro de uma família muito rica e estuda em uma das escolas mais caras e prestigiosas dos Estados Unidos. Com essa combinação, ele poderia ser apenas um jovem materialista, brilhante e arrogante. Mas ele é o completo oposto de tudo isso.

Logo no início do livro, percebemos que Holden não é um jovem prodígio. A forma como ele nos conta a sua história, usando suas próprias palavras e expressões, deixa bem claro que seu vocabulário não é nada elaborado, sendo até infantil em alguns momentos. Sim, ele estudou em escolas caríssimas porque os pais tinham dinheiro para colocá-lo lá dentro, mas Holden nunca conseguiu se manter nessas instituições por muito tempo, porque ele tem sérias dificuldades de aprendizado.

Apesar de ter dezessete anos, Holden se comporta como um garoto de doze. O que faz com que ele seja muito diferente dos seus colegas - felizmente. Ao contrário dos jovens egocêntricos e superficiais de sua escola cara, Holden é ingênuo, sensível, respeitoso e sincero. Sincero até demais em alguns momentos, o que cria situações constrangedoras e engraçadas ao longo do livro.

Mas o que torna o protagonista realmente especial é a sua ingenuidade. Holden traz um olhar diferente para situações do dia a dia e da vida em sociedade que a maioria das pessoas simplesmente ignora, adotando-as como parte da “normalidade”. Ao fazer perguntas que quase ninguém se incomoda em fazer, o protagonista aponta a hipocrisia dos outros personagens e problemas sociais que muitas vezes não enxergamos, simplesmente por já termos sido ensinados a aceitar que “a vida é assim”. Mas, lendo O Apanhador no Campo de Centeio, começamos a pensar: será que precisa mesmo ser assim?

Por suas dificuldades na escola e sua resistência em seguir regras que não fazem sentido para ele, Holden é considerado um jovem problemático. Ele está sempre ouvindo de professores e adultos que deveria se esforçar mais, deveria ser diferente, fazer isso ou aquilo. O irônico é que seus colegas, irresponsáveis e grosseiros, jovens muito mais “problemáticos” do que Holden, não recebem os mesmos sermões e chegam a ser admirados pelos colegas. O que diz muito sobre o tipo de comportamento que esperamos dos homens na nossa sociedade.

Para cumprir a minha promessa de não deixar escapar nenhum spoiler, eu não vou entrar em detalhes sobre o enredo do livro. Só vou dizer que é um pouco caótico, passando a impressão de não ter um rumo definido. Acompanhamos o protagonista enquanto ele vaga pela cidade de Nova York, mudando constantemente de decisão sobre o que fazer em seguida. Na minha opinião, essa confusão serve muito bem à história, porque ajuda a reforçar a sensação de falta de pertencimento de Holden, a busca do jovem para encontrar sentido na vida e algum lugar que possa chamar de seu em um mundo onde ele não parece se encaixar.

Para mim, Holden e o seu estilo informal de narração são o ponto forte do livro. O autor, J. D. Salinger, conseguiu criar uma voz muito única para o protagonista, tornando-o cativante e único para o leitor. Além disso, Salinger foi capaz de equilibrar uma narração simples, que soa como um jovem contando uma história para um amigo, com reflexões profundas e um senso de humor muito bem-vindo para quebrar a tensão de alguns trechos. Para quem gosta de escrever, o livro é realmente uma aula de criação de personagem e de narração em primeira pessoa. Para quem gosta de ler, é uma obra que foge ao padrão, capaz de entreter e de fazer pensar.

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