Narrador Suspeito: Dom Casmurro e A Volta do Parafuso
- Alice Castro
- 1 de mar. de 2022
- 2 min de leitura
Atualizado: 4 de out. de 2023

Quando lemos histórias narradas em primeira pessoa, na maior parte dos casos assumimos que o narrador é confiável, alguém que não vai tentar inventar, ocultar ou aumentar os fatos, mas repassá-los para nós da forma como aconteceram. Dificilmente duvidamos dos relatos do protagonista, até porque raramente somos convidados a fazê-lo. A maioria dos escritores prefere criar um narrador equilibrado e honesto para trazer maior credibilidade e objetividade às suas histórias, ajudando o leitor a se concentrar na narrativa, sem ter que fazer pausas a cada página para questionar a veracidade do que foi apresentado. Mas existem exceções.
Alguns autores aprenderam a brincar com a expectativa que temos de um narrador confiável para criar reviravoltas inesperadas em suas histórias, ou deixar algumas questões para sempre não respondidas. Afinal, Capitu traiu Bentinho ou não? A governanta da mansão Bly era completamente louca ou realmente via os espíritos dos antigos funcionários do lugar? Não existe resposta certa ou errada, depende de como você interpretou o livro, se decidiu acreditar no narrador ou desconfiar dele.
Em Dom Casmurro (1898), romance de Machado de Assis, podemos assumir que Capitu de fato agia de forma suspeita e não era digna de confiança, ou decidir que Bentinho simplesmente era muito ciumento e estava procurando pêlo em ovo. Já no clássico de terror A Volta do Parafuso (1899), de Henry James, a governanta (aquela que nem ao menos foi nomeada) pode ser uma mulher corajosa que enfrentou seus medos para proteger seus pupilos das assombrações reais que os rodeavam ou alguém que perdeu a sanidade e imaginou as aparições dos fantasmas, aterrorizado as crianças com sua obsessão e superproteção.
É aí que começa a diversão, quando ficamos determinados a tirar as nossas próprias conclusões da história e provar nosso ponto. Podemos até mesmo reler os livros procurando evidências que reforcem nossa interpretação, mas jamais seremos capazes de afirmar com certeza o que aconteceu, porque as narrativas foram pensadas para nos deixar com a pulga atrás da orelha, com diálogos ambíguos e cenas duvidosas por sua parcialidade.
Narradores suspeitos podem ser um pé no saco para aquelas pessoas que procuram por narrativas fechadas, que oferecem todas as respostas assim que chegamos até a última página, mas são muito interessantes para os que preferem um debate acalorado e finais em aberto. Se você é do segundo tipo, eu recomendo as duas leituras. E pra quem já leu os livros, vamos às polêmicas: comenta aí se você é #teamCapitu ou #teamBentinho e se você acreditou nos relatos da governanta da mansão Bly ou não.
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