Fui fazer publicidade e olha no que deu
- Alice Castro
- 4 de mar. de 2022
- 5 min de leitura

Tem gente que parece que nasce sabendo o curso que quer fazer na faculdade. Deve ser bacana ser decidido assim. Eu nunca fui. Passei pela minha infância e boa parte da adolescência sem me preocupar muito com o que eu pensava em fazer quando o ensino médio acabasse. A ideia de que um dia eu não teria mais que ir para a escola ainda parecia muito distante na época. Resultado: adiei a decisão até o último minuto e continuava perdida quando abriram as inscrições pro vestibular e a universidade me apertou contra a parede e falou: tu tá sem tempo, irmã.
Movida pela força do desespero, passei horas analisando a lista de cursos disponíveis, de A a Z. Achei que em algum momento eu passaria os olhos por um deles e teria um estalo, o céu se abriria e a Bruxa Boa do Norte me apontaria a direção da estrada de tijolos amarelos. Na realidade, percebi que a única semelhança entre a minha história e a da Dorothy era a parte em que ela descobre que o mágico de Oz é um farsante. Ah, e a cena no início do filme, do ciclone, que vira a vida dela de cabeça pra baixo.
Depois que tive que aceitar que o meu problema não ia se resolver em um passe de mágica, perdi o rumo de casa, assim como a pobre da Dorothy. Passado o susto inicial, acabei reencontrando minha coragem e me obrigando a enfrentar a indecisão. Já que eu não sabia a alternativa certa, decidi tentar chegar nela por eliminação.
Foi assim que, depois de descartar muitas opções, parei na bifurcação da estrada entre (a) medicina veterinária e (b) publicidade. Acabei marcando (b) porque tinha muita vontade de continuar escrevendo e sonhava com uma carreira criativa. Mal sabia a Alice do passado onde ela estava amarrando o seu burrinho.
O curso de publicidade foi tranquilo. Eu conheci gente parecida comigo, fiz algumas matérias interessantes (outras nem tanto), li muitos textos e apresentei incontáveis trabalhos em grupo. Colocando tudo na balança, eu achei que tinha acertado meu chute de carreira. Ufa, que alívio. Mas não durou muito.
Lá pelo sexto semestre, decidi que estava pronta pra começar a atuar na área, empolgadíssima, com a minha criatividade estalando. Fui parar na empresa júnior e foi aí que a realidade começou a bater na minha cara. Descobri bem cedo que a publicidade que eu achava que conhecia era muito menos simpática e descolada pessoalmente.
Sabe aquelas propagandas super bacanas de televisão, os outdoors bonitões, as ações de marketing no meio da rua que fazem a gente acreditar que a publicidade é muito maneira? Pois é, isso custa bem caro. A Coca-Cola e a Dove podem pagar sem problemas, e é por isso que a gente ainda vê muito anúncio de marcas grandes nesses lugares. Mas você, aprendiz pimpão, não vai começar atendendo a Coca-Cola, né. A menos que você seja um prodígio da publicidade, aquele 1%, como diria Safadão, Wesley. Eu estava entre os 99% mesmo.
Tanto na empresa júnior como no meu estágio e no meu primeiro - e último - emprego em agência de publicidade, atendi clientes pequenos. Malharias, camiseterias, restaurantes locais, uma pasta de alho. Saí da faculdade crente que ia ser redatora (o pessoal que faz roteiro de propaganda de TV ou no YouTube, slogans, títulos maneiros, pensa em ideias legais pra fazer campanhas grandes em várias plataformas). Acabou que eu não fiz nem mesmo um anúncio estilo Jequiti. Fiz coisa muito pior. Virei social media.
Se você não sabe quem é, o que faz e do que se alimenta um social media, eu respondo: essa é a pessoa que escreve as legendas (que praticamente ninguém lê) de posts em redes sociais e, o pior e mais degradante de tudo: aquela infeliz criatura que responde às reclamações de clientes irados, que escrevem textões revoltados em comentários ou mensagens diretas no Facebook e Instagram.
Deixo aqui um apelo: da próxima vez que você for reclamar que algum restaurante não te atendeu bem, ou que sua comida chegou toda esculhambada pelo iFood, não desconte sua raiva no pobre publicitário que vai ter que te responder nas redes sociais, tá bom? Muita gente pensa que quem está ali do outro lado é um funcionário da empresa que merece a bronca, mas na maioria das vezes é só um social media mal pago. Tenha misericórdia dessa alma perdida e faça a sua reclamação educadamente. Voltando à minha entrada nada gloriosa no mercado de trabalho:
A descoberta de que eu ia trabalhar com texto de redes sociais foi uma das coisas que me desmotivou na publicidade. Mas não foi a principal. Essa quebra de expectativa inicial foi decepcionante, mas não era o fim do mundo. Se eu realmente gostasse do que eu estava fazendo, eu poderia continuar suportando esse começo de carreira até conseguir vagas melhores que me dessem a oportunidade de trabalhar com clientes maiores e produzir textos mais desafiadores. Mas eu descobri que não tinha vontade nenhuma de ir atrás das vagas de agências cobiçadas por dois motivos:
O mercado: hoje em dia, raríssimos publicitários podem aproveitar os benefícios de uma carteira assinada. A maioria tem que se registrar como MEI (Microempreendedor Individual), o que quer dizer que você, em teoria, não tem vínculo com a empresa, apenas presta um serviço pra ela, de onde você quiser, no prazo estabelecido. Só em teoria. Na prática, a informalidade dominou o setor, mas isso não quer dizer que a gente receba mais ou tenha conquistado alguma liberdade pra trabalhar de casa e fazer nossos próprios horários. Na na ni na não, você recebe menos E trabalha da mesma forma que um funcionário formal, tendo que se deslocar até o escritório diariamente, com horário pra entrar (mas sem horário pra sair e sem pagamento de hora extra). Adeus, direitos trabalhistas. Pra piorar, o mercado publicitário ainda tenta te fazer acreditar que é bacana pra caramba virar a noite no trabalho e assumir cinco funções diferentes pelo salário de uma.
A falta de liberdade criativa: sim, por incrível que pareça, mesmo fazendo parte do que os publicitários chamam de “equipe de criação”, eu sentia a minha criatividade podada diariamente. Primeiro porque trabalhávamos com prazos curtíssimos pra entregar as demandas, segundo porque o cliente (que quase nunca entendia de publicidade e comunicação) pedia várias alterações sem sentido que éramos pressionados a fazer se quiséssemos que o trabalho fosse aprovado e, terceiro, porque a quantidade de trabalho, os obstáculos às nossas ideias e a pressão diária me deixavam extremamente desmotivada para criar.
Se eu não estava ali para criar, não queria estar mais ali. Passei por um período difícil, infeliz com o meu trabalho, sem saber pra onde ir em seguida. Começar tudo de novo? Voltar pro suplício do vestibular? Eu tinha dor de cabeça só de pensar. Mas também não dava pra continuar daquele jeito. Então eu pedi demissão, sem ter a mínima ideia do que eu ia fazer depois. Pra minha sorte, eu pude contar com o apoio da minha família enquanto me recuperava da desilusão profissional e pensava em uma nova rota. Depois de meses de reflexão e isolamento nessa pandemia maluca, decidi voltar a estudar pro vestibular, dessa vez pro curso de Letras, pra investir no sonho de escritora.
A publicidade ficou pra trás, mas ainda insisto em compartilhar minha experiência com a área porque acho que é importante expor uma versão realista desse mercado, sem propagandas enganosas, pra quem pode estar prestes a cair na mesma ilusão que eu caí lá no ensino médio. Felizmente, nossos erros passam, mas o aprendizado fica. Me decepcionei com o mágico de Oz, mas descobri que sempre vou poder contar com a minha coragem, cérebro e coração pra encontrar meu caminho de volta pra casa.
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