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Drácula, Moby Dick e outras leituras recentes

  • Foto do escritor: Alice Castro
    Alice Castro
  • 3 de ago. de 2022
  • 6 min de leitura

Atualizado: 25 de dez. de 2023


Photo by engin akyurt on Unsplash

Eu confesso que tenho mania de organizar as coisas em planilhas. Escrevendo isso agora, acabo de perceber que esse parece um comportamento ligeiramente psicopata, mas eu juro que a minha loucura é do tipo inofensivo. Eu só não confio na minha memória capenga e gosto de ter um registro confiável dos livros que eu li, quando li e o que achei deles na época em que estava lendo. Então, obviamente, eu fiz uma planilha pra anotar tudo isso (:D). Ela tem se mostrado bastante útil, não só pra não me deixar esquecer de nenhum livro, como para me ajudar a saber como anda o meu ritmo de leitura e como o meu gosto literário mudou ao longo dos anos.

E mudou bastante. Quando eu era mais jovem eu preferia histórias fantásticas com muita ação e aventura. A narrativa era de longe o principal fator que me atraía em um livro. Se eu realmente gostasse da história, deixava passar o estilo da escrita e alguns personagens não tão bem construídos. Hoje em dia eu ainda gosto de fantasias bem movimentadas, mas posso ler qualquer outro gênero sem preconceitos desde que o estilo do escritor me cative. Também passei a me interessar muito mais por personagens aprofundados e agora fico brava quando encontro boas histórias com protagonistas fracos. De forma geral, eu fiquei mais exigente e aprendi a considerar uma gama maior de aspectos quando estou avaliando a qualidade de um livro. Percebi que quanto mais a gente lê - e vive - mais camadas encontramos para explorar em um texto.

É por isso que às vezes faz bem reler alguns livros depois de um tempo, principalmente os clássicos que nos mandaram ler na escola, quando não tínhamos maturidade nenhuma para aproveitá-los. Com treze anos, eu jamais trocaria Percy Jackson e Jogos Vorazes por Dom Casmurro. Hoje, eu entendo o valor de um livro do Machado de Assis, mas naquela época, ler um drama familiar em um cenário absolutamente comum, narrado por um velho amargurado e escrito em uma linguagem “arcaica”, foi torturante. A experiência foi tão ruim que eu demorei a reunir coragem para encarar o livro de novo. Felizmente, eu decidi dar mais uma chance para o Dom Casmurro dois anos atrás, e não só superei meus traumas, como gostei bastante da leitura. O problema, é claro, não estava no livro, mas na minha falta de experiência e maturidade.

Decidindo redescobrir outras grandes obras que eu pudesse ter avaliado injustamente, nos meses passados eu decidi dar uma segunda chance para Drácula e Moby Dick. Na listinha aí embaixo, além desses dois clássicos, coloquei o que eu andei lendo nos últimos meses e as minhas breves impressões sobre cada livro, todas sem spoilers:


Drácula:

Clássico do terror, Drácula é narrado por meio de cartas e trechos de diários de vários personagens. A história começa quando o advogado Jonathan Harker viaja até a Transilvânia a trabalho para se encontrar com um dos clientes de sua firma, o Conde Drácula, em seu castelo sombrio. O Conde tem uma aparência peculiar e hábitos estranhos e é temido pelos habitantes do vilarejo próximo. Jonathan acredita que tudo isso não passa de mera superstição até descobrir que Drácula não é um homem comum, mas um vampiro.

Na primeira vez que li Drácula, lá pelos treze anos, lembro de ter ficado muito decepcionada com a história. Achei a narração em cartas estranha e o livro não me assustou como eu estava esperando. Na segunda leitura, entendi muito melhor a escolha da narração em cartas, achei que ela complementa muito bem o clima sombrio do livro e tive o discernimento de perceber que o terror de 1897 não é o mesmo terror que esperamos encontrar em um livro dos anos 2000.

A época em que uma obra foi escrita sempre tem que ser levada em consideração na sua interpretação. Histórias com vampiros não parecem nada surpreendentes hoje em dia, depois de essas “criaturas da noite” terem sido tão comercialmente exploradas em livros, séries e filmes adolescentes, mas quando Bram Stoker criou Drácula, ele foi muito original. O autor pode até enrolar em certos diálogos e ter personagens um pouco cansativos em alguns momentos, mas as descrições de Stoker não deixam a desejar e criam um ótimo cenário para te ajudar a imergir nos acontecimentos macabros do livro. A história não é tão assustadora de forma geral, mas tem um bom ritmo e o suspense é bem trabalhado.


Moby Dick:

O livro é narrado por Ishmael, um aventureiro que decide buscar emprego em um barco de caça de baleias simplesmente para conhecer de perto a experiência. Mal sabia o pobre Ishmael que ele estava destinado a fazer parte da tripulação do Pequod, navio capitaneado por Ahab, um homem obcecado por vingança. Há algum tempo atrás, em outra embarcação, Ahab perdera uma perna em um confronto com a baleia Moby Dick, temida por vários marinheiros, e, desde então, está determinado a reencontrar o animal e matá-lo a qualquer custo.

Acho que eu li Moby Dick pela primeira vez lá pelos quinze anos. Depois de tanto tempo, não lembrava de muita coisa da narrativa, mas sabia que tinha achado a leitura difícil e arrastada na época. Ao contrário do que aconteceu com Dom Casmurro e Drácula, a minha primeira impressão não mudou tanto quando reli Moby Dick. Claro que eu consegui avaliar muito melhor o que estava lendo agora e fui capaz de extrair muito mais do livro, mas não posso dizer que a experiência foi prazerosa. Para ser bem sincera, estava torcendo para que o livro acabasse.

A escrita é bem elaborada e rica, mas o autor se estende demais em alguns momentos que não são tão relevantes para o andamento da história (descrevendo detalhadamente baleias, outros animais marinhos, partes do barco e ferramentas de pesca, etc), o que acaba “travando” a fluidez da narrativa, na minha opinião. O ritmo do livro é lento, as cenas de ação não são tão emocionantes quanto se poderia esperar e os outros personagens, incluindo o narrador Ishmael, parecem meros figurantes zanzando em torno de Ahab.

Trazendo alguns pontos positivos, a obsessão de Ahab o torna um personagem interessante e abre espaço para muitas reflexões. Também gostei da forma como o autor construiu a figura quase mística da baleia, que está muito presente em todo o livro, assombrando tripulações e perseguindo Ahab em sua cabeça tanto quanto ele a persegue pelos Oceanos.


Um Estranho no Ninho:

Em uma ala de um hospício governada por uma enfermeira controladora e cruel, a temida sra. Ratched, um novo paciente inesperado perturba a rotina tão cuidadosamente calculada do lugar. Mc. Murphy vai para o hospício fingindo-se de louco para escapar da prisão e acaba virando um prego no sapato da sra. Ratched, incitando os outros pacientes a se rebelarem contra as regras e punições da instituição e questionando a autoridade da enfermeira.

Eu gostei bastante desse livro e de algumas das discussões que ele levanta. Além de mostrar como a rotina de um hospício pode ser problemática para os pacientes, Um Estranho no Ninho também nos faz refletir sobre liberdade e sobre os problemas com as definições da sociedade de sanidade e loucura. Aqui, temos o pacote completo: bons personagens, boa história, bom ritmo e, na minha opinião (acho importante destacar porque isso é muito subjetivo), bom estilo de escrita.

A minha única ressalva é que a maioria das personagens femininas do livro são retratadas como vilãs, ou como objetos de desejo masculino. As opiniões de McMurphy sobre mulheres também são extremamente machistas, o que provavelmente retrata a realidade da maioria dos homens que viveram uma vida semelhante à dele e faz sentido para o personagem, mas é uma visão que incomoda quando dá a impressão de ser compartilhada pelo autor.

A sra. Ratched é uma vilã que não demonstra ter nenhum interesse na vida além de comandar a sua ala com punho de ferro e a maioria dos pacientes do hospício parece ter chegado até ali por problemas com figuras femininas em seu passado. Ignorando essas questões, vale a leitura do livro.


Estação Onze:

Talvez eu seja um pouco masoquista por decidir ler um livro que fala sobre uma pandemia global depois de tudo o que passamos nos últimos anos, mas acredito que eu tenha me sentido um pouco menos desafortunada quando comparei a letalidade da Covid-19 com a da fictícia Gripe da Geórgia, que exterminou 99% da humanidade e destruiu todas as civilizações como as conhecemos no livro Estação Onze.

Com uma pandemia tão devastadora dividindo os anos em “antes da pandemia” e “depois da pandemia”, a autora passeia entre um tempo e outro da narrativa, contrastando a banalidade da vida pré-pandêmica com a luta pela sobrevivência daqueles que resistiram ao vírus, mas agora precisam lidar com um mundo caótico, sem autoridades, instituições e leis.

Estação Onze é uma cutucada interessante nas nossas consciências. O livro nos mostra como normalizamos muitas das coisas que fazem parte da nossa rotina e, assumindo que tudo isso é certo, garantido, não valorizamos devidamente a nossa liberdade, a presença das pessoas que amamos e as “pequenas coisas” até sermos obrigados a conviver com a sua ausência. A autora também reforça a importância da arte e da cultura como uma forma de preservarmos a nossa humanidade, principalmente em tempos turbulentos. É uma leitura importante para nos lembrarmos de que tudo nessa vida é temporário, e nós também somos.


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