Autossabotagem
- Alice Castro
- 5 de out. de 2023
- 2 min de leitura

Que fenômeno curioso, esse de ser intolerante com você mesmo. Às vezes eu me surpreendo com a crueldade que sou capaz de direcionar para mim. Escrevo e empilho em cima da minha própria mesa as mais duras críticas e acusações. E não me concedo direito de resposta. Atiro a primeira, a segunda e a terceira pedra na minha direção. Em alguns dias, não sou capaz de me deixar em paz. Convenço a mim mesma de que sou inútil, incompetente, lenta, ridícula, insuportável. Derrubo a minha autoestima no chão. Não satisfeita, chuto o meu corpo caído.
Sou uma carrasca. Comigo. Mas me descubro uma santa compreensiva quando estou diante dos problemas de quem me procura para desabafar. Sem julgamentos, eu escuto o que dizem, ofereço ajuda, distribuo palavras de consolo. Não tem problema, você não fez por mal, não se preocupe, não seja tão duro com você mesmo, todo mundo erra, ninguém é de ferro. Mas eu deveria ser. Deveria ser mais sociável, menos pessimista, mais produtiva, menos sedentária… a lista cresce todos os dias. E eu me diminuo a cada item que não consigo cumprir.
E quanto aos itens cumpridos? Ah, esses não contam, não têm importância, eram o mínimo que eu podia fazer. Aliás, já deveria ter feito há muito tempo. E eu só consegui isso porque fulano me ajudou, porque eu tive sorte, porque estava fácil. O mérito das — minhas, mas não tão minhas — conquistas é sempre compartilhado ou alheio. Mas eu faço questão de assumir total responsabilidade por todas as minhas derrotas. Às vezes, também assumo a responsabilidade e a culpa pelos erros dos outros. Se eu tivesse ficado calada, isso não teria acontecido. Se eu tivesse feito alguma coisa, tudo poderia ser diferente. Minha culpa, minha tão grande culpa. Fico tonta de girar em torno de mim.
Agora mesmo, escrevendo este texto, eu estou me acusando. Ao mesmo tempo que me defendo. Estou denunciando a minha tendência para a autossabotagem, colocando mais uma tarefa na lista: aprenda a se cobrar menos. Levanto a minha voz para exigir o meu direito de resposta, tantas vezes negado. Cometo a audácia de falar por cima da minha consciência, que sempre tem algo a dizer, mas ainda não sabe escutar. Entro em uma discussão acirrada comigo mesma, meu lado compassivo contra o meu lado impiedoso, e tento me convencer de que estou tentando, e de que tentar, muitas vezes, é o melhor que podemos fazer.
Comments