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Exercício de escrita #4: Em Câmera Lenta

  • Foto do escritor: Alice Castro
    Alice Castro
  • 10 de ago. de 2022
  • 4 min de leitura

Photo by Nathan Dumlao on Unsplash

No começo do ano passado eu assisti a algumas aulas gratuitas de um curso de escrita criativa da Wesleyan University que encontrei no site da Coursera (ele ainda está disponível por lá, se alguém mais quiser conferir). É um curso muito interessante e bem aprofundado, com quatro professores diferentes cobrindo cada módulo (enredo, personagens, ambientação e estilo) e convidando autores publicados para conversas.

Eu aprendi muito com as aulas, mas, na minha opinião, um dos pontos altos do curso é que, no final dos módulos, os professores sugerem exercícios para te ajudar a praticar o que foi discutido. Como eu assisti de forma gratuita, não tive acesso a todos os exercícios, mas anotei aqueles que eram liberados pra poder treinar mais tarde.

Semana passada, decidi que era hora de desenferrujar minha escrita e escolhi um deles para começar. O exercício faz parte do módulo que fala sobre ambientação e descrição na narrativa e o objetivo dele é te fazer trabalhar a capacidade de imergir o leitor no cenário da sua história narrando um momento em câmera lenta. A proposta é descrever um evento que dura aproximadamente dez segundos na vida real (exemplo: uma batida de carro, um beijo, experimentar uma comida pela primeira vez, etc.) prestando muita atenção aos detalhes que compõem a cena. Algumas regras: não vale mostrar o que o personagem está pensando, só o que ele/ela está fazendo. Também não é permitido escrever sobre o que aconteceu antes ou depois da ação que você escolheu, se concentre no momento presente e nos detalhes materiais. O tamanho recomendado do texto é de uma a duas páginas.

Eu não achei que fosse ter muita dificuldade com o exercício porque normalmente me estendo até demais nas minhas descrições, mas nesse caso tenho que admitir que achei bem desafiador chegar até o final da primeira página, principalmente por causa da limitação de não poder escrever sobre o que os personagens estavam pensando.

Depois de mudar de ideia sobre a cena que eu tinha escolhido para descrever algumas vezes e de ter sofrido um pouco para conseguir seguir todas as regras, eu finalmente encontrei um resultado que me agradou. Apesar das dificuldades, acredito que esse tenha sido um desafio muito válido pra mostrar que não precisamos entrar nas cabeças dos nossos personagens para fazer o leitor entender como eles estão se sentindo. Escolhendo as palavras certas, podemos transmitir emoções e pensamentos de forma mais discreta, simplesmente explorando a aparência dos personagens, sua postura, suas expressões faciais e o ambiente da cena.

Como é um exercício curtinho, vou colocar o meu aqui embaixo para quem quiser conferir. O momento que eu escolhi para narrar em câmera lenta foi a troca de alianças em um casamento.




Com um estalo alto que ecoou pelas paredes de pedra da capela e fez os convidados do casamento despertarem de seus devaneios e cochilos, o padre fechou sua Bíblia amarelada, levantando uma pequena camada de poeira ao fazê-lo. As partículas se agitaram no ar por alguns instantes, realçadas pelos feixes de luz que passavam pelo grande vitral localizado atrás do altar, até caírem sobre a barra do vestido cor de creme da noiva, que nada percebeu.

O rosto da moça estava coberto por um véu fino e sua cabeça estava inclinada para baixo, os olhos voltados para as mãos de dedos largos do noivo, que seguravam as dela com firmeza. O contato só foi interrompido brevemente quando o padre assentiu para o homem, permitindo que este retirasse o véu da mulher. O noivo então estendeu o braço, decidido, e levantou a cortina que escondia a expressão da futura esposa, como um mágico que espera surpreender a plateia com seu novo truque. Os convidados esticaram os pescoços e se empertigaram na beira dos bancos pesados de madeira para ver melhor.

Assim que o véu foi afastado, o rosto fino da noiva foi tingido de uma luz esverdeada que escapava do vitral, deixando-a com um ligeiro aspecto doentio. Ela não usava nenhuma maquiagem para esconder as marcas escuras sob os olhos e seu cabelo estava escorregando para fora da trança apertada que segurava o véu em seu lugar. Diante daquela visão, os sorrisos dos senhores e senhoras que ocupavam as primeiras fileiras ficou tão murcho quanto os lírios que haviam sido arranjados sem muito cuidado para enfeitar o corredor da capela, mas o brilho do anel pesado que foi retirado do bolso do paletó do noivo logo em seguida rapidamente reconquistou o interesse de todos os presentes.

O aro dourado era delicadamente esculpido, com duas faixas de ouro entrelaçadas, e o grande diamante que o adornava faiscou sob as muitas luzes de velas e vitrais, contrastando com a falta de brilho do vestido liso e sem babados da noiva. As senhoras enrugadas sentadas na primeira fileira sacudiram as cabeças com expressões desapontadas e cochicharam entre si enquanto o noivo segurou a mão esquerda da mulher e ajudou-a a esticar os dedos, que pareciam retesados, para trocarem as alianças.

Ele demorou alguns segundos para conseguir completar sua tarefa, já que o anel parecia um pouco justo demais para o dedo da moça e a mão dela tremia consideravelmente. Quando a jóia finalmente assumiu seu lugar, não parecia pertencer à nova dona. O dedo estava vermelho, já começava a inchar, e as unhas curtas e roídas da noiva não contribuíam para valorizar uma aliança tão elegante.

As damas jovens e bem vestidas que observavam a cerimônia ignoravam completamente a mulher desajeitada que deveria ser o centro das atenções, alternando seus olhares desejosos entre o anel e a bela figura do noivo enquanto sacudiam seus leques com um descontentamento evidente.

Parecendo apressada, a noiva terminou de selar seu pacto com o marido, empurrando a aliança do parceiro com dedos escorregadios, ainda evitando os olhos do homem, cujo rosto estava iluminado por uma luz alaranjada que tornava seu sorriso charmoso ainda mais radiante.


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